segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

No momento reles... tantas vezes vil...


Poema em Linha Reta/Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Poesia.

Minha gente, durante o mês inteiro de dezembro, tinha um professor de português que foi meu "anjo da guarda". Anjo da guarda por causa do Natal, de brincadeiras de "amigo invisível" e etc, etc, etc... o cara gosta de escrever poesia. Sabendo que era meu anjo, escreveu uma poesia para minha pessoa. A festa de confraternização do trabalho rolou e no finalzinho da bagunça, ele timidamente, me deu a poesia. Ei-la:


"Proteger essa pessoa
foi muito gratificante...
É uma pessoa educada
Inteligente e bonita.
Adoro o seu jeito de andar
Adoro a sua maneira de falar.
É uma pessoa séria e brincalhona,
Silenciosa e barulhenta
É Maria, é Madalena
É linda, é morena
Tem um olhar cativante
É uma pessoa atenciosa
Meiga, 1,75 cm de elegância
cheia de vigor e energia
E com toda essa magia
Ela leciona Sociologia
Com muito humor e alegria
Seu nome é: Anna Maria!"

Elias.



Bonitinho né? Legal. Guardei e valorizei.

Bom Natal para todos!

domingo, 20 de dezembro de 2009



Boa música. Índigo Blues/Blues da Amazônia. Se deliciem...

sábado, 12 de dezembro de 2009

Ilha das Flores






"Iha das Flores" é surpreendente. Mas além de surpreendente, é chocante e cruel. A crueldade e a tristeza vista no documentário nada mais é do que o retrato do cotidiano capitalista. No documentário, além do Ser Humano ser menos valorizado que os tomates, chega a ser "menor" do que os porcos. Todas as vezes que eu assisto e percebo as cenas, fica impossível conter as lágrimas.
Infelizmente o "Homem" que possui o telencéfalo "altamente desenvolvido" e polegar opositor, ainda não conseguiu desenvolver algo mais valioso que existe no corpo humano, o coração.
Desde o século XV, o "Homem" possuidor do telencefálo "altamente desenvolvido" começou a "pensar" estratégias de abarcar o mundo. A partir de então começou o projeto. Daí vieram as revoluções tecnológicas, as expansões pelo mundo, a troca de ideias, a globalização, a mundialização e descobertas de "novos" povos, encontro entre culturas, indústrias, fábricas, dinheiro, ganância e poder. Mas atrás de tudo isso que NÓS todos consideramos altamente valioso, veio a miséria, a pobreza, a fome, as mortes, as guerras, o desamor, o egoísmo e a tristeza.
É muito impressionante a capacidade que o Ser Humano tem de passar por cima dos outros em busca de dinheiro. Mas esquecem que todos morreremos um dia e seremos comidos por vermes debaixo da terra. E tudo isso que foi contruído fica. E o que deveria se construir, não fica porque não se construiu: amor, solidariedade, amizade, união, troca, doação...
Pode paracer banal tais palavras, mas quem já passou fome, aperto, ou viveu na merda, como disse o inteligentíssimo nosso presidente Lula dias atrás, sabe do que eu falo.
Nunca passei fome e muito menos necessidade, mas amo o Ser Humano. E odeio qualquer tipo de opressão. QUALQUER TIPO. Seja contra pobre, negro, gay, índio e etc. No dia que o imbecil do "Homem" soube usar o telencéfalo "altamente desenvolvido", provavelmente ele tirará o polegar opositor do próprio rabo e verá que um mundo melhor só existirá se deixarmos a matéria de lado e pensarmos mais na essência.

Assistam o filme, chorem, usem a sensibilidade e se surpreendam. Se não gostarem, meus seguidores também têm o direito. O que mais importa para mim é que assistam e reflitam sobre suas ações cotidianas. Saibamos usar muito mais o que temos de tão desenvolvido no nosso corpo de mãos dadas com o coração.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Conto: "O FILHO DA FILHA DO BICHO-PREGUIÇA"



O bicho-preguiça estava parado quieto, trepado no galho da árvore. Sua filha estava trepada quieta, parada num outro galho. De repente, ela disse:

- Pai, estou sentindo uma dorzinha esquisita dentro na barriga. Acho que vou parir logo.

Tempos depois, o bicho-preguiça desceu da árvore e ficou pensando. Mais tarde, saiu andando devagar, quase parando. Foi procurar uma parteira.

Foi, foi, foi. Andou, andou, andou. Seguiu, seguiu, seguiu.

No meio da viagem, o bicho-preguiça tropeçou numa pedra e machucou o dedinho do pé. Ficou nervoso:

- E seguiu, seguiu, seguiu. Andou, andou, andou. E foi, foi, foi.

Acabou chegando na casa da parteira. Passou um tempo, o bicho-preguiça bateu na porta e disse:

- Dona parteira, é urgente. Vamos lá em casa que o filho da minha fiha está pra nascer.

A parteira era bicho-preguiça também. Dias depois, abriu a porta devagar e respondeu:

- Calma aí que eu estou indo!

O tempo correu e bem mais tarde os dois partiram.

Foram indo, foram indo, foram indo. Foram seguindo, foram seguindo, foram seguindo. Foram andando, foram andando, foram andando.

No fim, quando chegaram de volta, secutaram uma barulheira. Eram os filhos do filho da filha do bicho-preguiça brincando devagarinho no terreiro.


(AZEVEDO, Ricardo, Contos de Bichos do mato, Ática, 2005)




Valeu Luiz!!!! Beijo no teu coração!

domingo, 6 de dezembro de 2009

O mais importante...

... é prezar minha saúde mental. Amo muito mais meu equilíbrio do que qualquer outra coisa.
Ultimamente venho me observando e tento tirar algumas conclusões do que vejo em mim. Por mais que eu esteja mais voltada para emoção, sensação e busca, felizmente consigo equilibrar as coisas. Observar isso me fez um bem enorme. Posso dizer que tenho uma ótima percepção das coisas. Minha percepção é tão boa que isso me assusta, pois as vezes vejo "coisas" que não me agradam. Melhor do que ser eternamente ingênua diante de inúmeras situações na vida.
Ver coisas que não me agradam abre meus olhos e me faz perceber o quanto gosto mais de mim do que qualquer outra coisa nesse mundo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sou feliz porque...

não tenho a mínima dificuldade de dizer o que penso, o que sinto e melhor, sei pedir desculpas. Isso é muito bom... Me sinto muito bem...

Reprodução de foto exposta numa exposição no "Museu do índio" no complexo do Ver-o-Peso. By Eu.

Eu penso demais na vida...




Racionalizar, pensar, refletir e por vezes, não agir. Não sei porque, conscientemente, o que faz eu ser uma pessoa tão reflexiva e racional. Mas, estou mudando e agindo. Estou tendo mais "sensação". Pensar faz bem, mas o excesso e o exagero acaba com a naturalizada da vida. Eu acho. Isso é uma história. A outra é:

Estou tão feliz! Hoje fiz o que faço todos os anos: fiz a doação das minhas 5 cestas para famílias carentes que moram numa grande periferia daqui de Belém, Águas Lindas. Infelizmente as águas desse local são lindas apenas no nome. Como dói ver tanta gente (gente de verdade, de carne e osso...) passando fome. Pessoas paupérrimas! Isso faz com que eu tenha ainda mais revolta com o "Poder" Público. Não é à toa que sou cientista social. Obviamente que não mudarei o mundo e nem quero isso, mas tenho certeza que as minhas pequeninas ações colocam um sorriso gostoso no rosto de cada um. Agradeço por TER para PODER ajudar. EU AMO MUITO O SER HUMANO. NÃO É À TOA QUE SOU ANTROPÓLOGA, TAMBÉM. SERÁ QUE É BOM OU RUIM??


Boa quinta para meus seguidores! Beijo no coração de todos!

Pra pensar:

"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é o meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e com os pés
E com o nariz e a boca

Pensar uma flor é vê-la e cheira-lá
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando um dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"O museu de curiosidades interativas da região Amazônica". Ver com as todas as imagens em: http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=16829

O museu de curiosidades interativas da região Amazônica



Anna Maria Alves Linhares *

O Museu do Marajó está localizado em uma pequena cidade chamada Cachoeira do Arari, que fica situada na maior ilha flúvio-marítima do mundo, a ilha do Marajó, no estado do Pará. A história de sua formação é bastante peculiar visto que, mesmo considerado um museu de caráter regional, foi pensando e formado por um padre jesuíta italiano que chegou à região na década de 1970, Giovanni Gallo.

Chegando ao Marajó, Gallo, como era conhecido, se encantou com as belezas naturais e culturais da região o que fez com que ele se aproximasse bastante da população local. A partir desse “encantamento” passou a percorrer a região atrás de estórias e histórias, como costumes, lendas, folclore, cultura material, dentre outros aspectos da cultura e da natureza amazônica.

Com a reunião dos objetos e da história da cultura do lugar, ele resolve montar um museu para valorizar a região e promover seu desenvolvimento. Assim surgiu o Museu do Marajó. Pode-se dizer que ele é uma junção de museu comunitário, eco-museu e de um grande gabinete de curiosidades, relembrando os museus etnográficos do século XIX, pois reúne objetos curiosos para serem apreciados com a pretensão de mostrar o “exótico”, expõe objetos interativos que além de serem apreciados, devem ser tocados e pegados. O acervo conta com uma exposição interna e externa. Assim que o visitante entra, adentra à primeira sala que é composta de peças arqueológicas marajoara encontradas na ilha, além de reproduções feitas por artesãos locais. São peças de cerâmica e objetos líticos sendo tangas, tigelas, vasos, estatuetas, pratos, caretas e urnas funerárias, além de inúmeros cacos cerâmicos. Parte do material arqueológico foi proveniente de doações de moradores da região que as encontravam por fazendas e de doações realizadas pelos próprios fazendeiros, além das incansáveis buscas feitas por Gallo.

Além das peças arqueológicas, o acervo conta com a exposição de peças contemporâneas como utensílios domésticos, cestaria, cabaças, jarros, cuias, objetos que denotam a religiosidade do lugar como imagem de santos e peças de rituais de pajelança, e também peças utilizadas à época da escravidão, sendo pratos e objetos de tortura. Além dos objetos que fazem parte da cultura material dos moradores da região, existem peças que representam aspectos da natureza amazônica como animais empalhados de várias espécies, peixes, peles de jacaré, cobras, dentre outros e animais com deformações genéticas, como animais com duas cabeças, por exemplo.

Algo que chama atenção no acervo do museu são os painéis interativos que Gallo designou de computadores. Em sua maioria são painéis e grandes caixas feitas de madeira com jogos que levam o visitante a obter conhecimentos sobre o meio ambiente e a cultura do chamado homem marajoara. A fotografia a seguir mostra o computador Assim falam os caboclos, que é uma espécie de jogo de adivinhações. O visitante vai puxando as fichas e vão sendo apresentadas charadas ou perguntas sobre o folclore, gíria e forma de falar dos moradores locais. As respostas ficam em outras fichas equivalentes. É como se fossem caixas de surpresas, montadas de forma didática e que precisam ser mexidas para serem descobertas.

A palavra de ordem é, portanto, interação entre o visitante e a exposição. Deve-se mesmo pegar na peça e não apenas contemplar, pois se não se pega nos jogos, não se descobre o “homem marajoara”. Esses jogos interativos mostram-se como a diferença e constituem uma peculiaridade da exposição, visto que não se conhece nenhum acervo nesses moldes na região, podendo mesmo ser considerado de vanguarda, pois a técnica de hands on atualmente é considerada contemporânea ou inovadora, mas já havia sido projetada por Gallo há cerca de trinta anos atrás. Um exemplo que aponta a atual importância dada a esse tipo de acervo que adota o hands on é o Museu da Língua Portuguesa, localizado em São Paulo e que repercute devido à interação exposição/público.

Como se pode observar, o museu é um espaço curioso, espécie de gabinete de curiosidades, repleto de “coisas” e peças a serem mexidas, reviradas e observadas. Além disso, espaço de interação, reflexão e conhecimento, visto que reúne peças de âmbito arqueológico, histórico e etnográfico. É uma espécie de gabinete de curiosidades que tem em vista aspectos educacionais, científico e interativo. Então, como definir o Museu do Marajó? Obviamente que não é objetivo do artigo classificar um espaço tão peculiar, mas vale ressaltar que apesar da singularidade do seu acervo, algumas de suas especificidades os aproximam dos chamados Eco-Museus, como frisou van Velthem (2005). Segundo a autora, esta categoria de museu localiza-se geralmente em áreas economicamente desfavorecidas e em comunidades que não contam com nenhum outro equipamento cultural, realidade vivenciada pelo museu. Além disso, uma das principais preocupações desse tipo de acervo fundamenta-se na relação homem e cultura e da população com sua região, o pressuposto principal do Museu do Marajó.

Sobre os Eco-Museus, segundo Martins, “... em lugar de estar a serviço dos objetos, o museu deveria estar a serviço dos homens. Em vez do museu “... de alguma coisa”, o museu “para alguma coisa”: para a educação, a identificação, a confrontação, a conscientização, enfim, um espaço para a comunidade.”. (Martins, 1999: 158). Para Gallo, a peça mais importante do museu sempre foi o homem. Desde seu princípio, ele pareceu estar interessado em formar uma conscientização da população local com vistas no reconhecimento de seu patrimônio. Elaborou projetos sociais com esse intuito.

Em meados de 1980 ele começou a fazer desenhos dos motivos contidos na cerâmica arqueológica e repassava às senhoras de Cachoeira para que elas bordassem os mesmos em roupas a fim de comercializá-las. Já em 1990 Gallo lança um livro com inúmeros motivos marajoara desenhados e fotografados para serem aplicados não apenas em roupas, mas no artesanato em geral com o objetivo de comercializá-los a turistas que visitavam Cachoeira do Arari (Gallo, 2005). A reprodução de cerâmica também está inserida nesse contexto. Aliás, desde essa época foram promovidos cursos com esse intuito. Atualmente existem oficinas de serigrafia, cerâmica, bordado e confecção de adornos como brincos, colares e pulseiras. Toda a produção tem em vista a utilização do grafismo contido na cerâmica arqueológica. O museu como representação de seu criador, Giovanni Gallo, acabou tornando-se uma instituição de importância, relevância e sobrevivência para muitas pessoas em Cachoeira do Arari. Isso porque foi a partir de Gallo e da criação desse espaço que muitas pessoas se profissionalizaram, aumentaram sua renda ou mesmo passaram a ter uma fonte de renda.

É importante lembrar que os produtos são voltados para o turismo, até porque é o turista que consome os objetos, este é o público visitante. Quando estive no município pude observar que a maior parte das pessoas vão à Cachoeira por saberem da existência desse museu. Isso evidencia que a instituição acabou virando referencial turístico. Mesmo fora do lugar, quando se refere o nome de Cachoeira do Arari, é comum a ligação com o Museu do Marajó, que acabou tornando-se atrativo. O museu está voltado basicamente ao turismo, mas seria importante se ele estivesse sendo mais utilizado como um espaço de educação patrimonial pelas escolas da cidade. As visitas das escolas ainda são pequenas com relação às visitas turísticas.

Com o passar do tempo tais motivos marajoara saíram dos objetos e lançaram-se às ruas. Em Cachoeira é comum se ver grafismos marajoara nos postes de iluminação pública, fachadas de casas e bancos das praças por quem percorre as principais ruas da cidade (Linhares, 2007).

A partir de então “inventa-se uma tradição” marajoara em Cachoeira. Antes da chegada de Gallo na cidade e da elaboração dos projetos, pouco se sabia sobre a importância dos achados arqueológicos e da preservação desse patrimônio para a história local. Alguns moradores diziam que conheciam ou já haviam escutado falar a respeito da existência de objetos “de índios que não mais viviam no local e que não eram vivos”, mas que os assustavam, e que hoje, já passam a reconhecer os mesmos objetos que os assustavam quando eram encontrados nos quintais de algumas casas pertos de sítios arqueológicos como um importante patrimônio, que deve ser reconhecido, preservado e valorizado.

Hoje todos querem mostrar que possuem uma identidade marajoara, estampando nas roupas, nas praças, nos bancos das igrejas e aos poucos na consciência social. Por “tradição inventada” entende-se “... um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica [que] visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.” (Hobsbawm, 2002: 12), como vem ocorrendo em Cachoeira.

Como se pode observar, a importância do museu foi e está sendo essencial para a formação de um pensamento crítico e da própria consciência histórica dos moradores do lugar, pois a partir de então, aos poucos, passaram a valorizar o patrimônio cultural da região. Eles começaram a perceber a importância que tinha todo aquele patrimônio que “brotava” nos sítios arqueológicos.

Segundo Martins (1999), para que museus desse âmbito germinem, faz-se necessário que as pessoas e moradores do lugar possam tomar consciência coletiva de seu patrimônio através da recuperação do passado como se deu com a re-valorização do patrimônio arqueológico e também dos objetos contemporâneos a partir dessa apropriação específica, a expositiva, devendo refletir o desenvolvimento cultural e econômico da região, conferindo dessa forma o caráter regional.

Mesmo enquadrando o museu no que se designa de Eco-museu, convém chamar a atenção aos limites das tipologias ou desse tipo de classificação visto que apresenta outras características que extrapolam as concepções de um Eco-museu, pois é um espaço de curiosidades, um lugar onde se encontram arraigados alguns aspectos da visão de mundo européia de seu criador e um museu interativo com técnicas de hands on.

Por isso não convêm defini-lo apenas enquanto Eco-Museu, mas quem sabe como um espaço de Curiosidades interativas da região. O importante é atentarmos para a importância de um museu que sobrevive há cerca de 30 anos em uma pequena localidade da Amazônia, Cachoeira do Arari, que sobrevive de projetos e da colaboração da comunidade, desde a limpeza até a concepção museológica de seu acervo. Não esquecendo que o museu e todo seu acervo é um legado histórico, antropológico, arqueológico e artístico de um pedaço da Amazônia: a ilha do Marajó. Pode ser um amplo espaço de pesquisa para a educação, a antropologia, a história, a biologia, a arqueologia, dentre outras ciências.

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Referências bibliográficas:

HOBSBAWM, Eric. “Introdução: A Invenção das Tradições” IN HOBSBAWM, Eric e TERENCE, Ranger (org.). A invenção das tradições. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2002.
LINHARES, Anna Maria Alves. De caco a espetáculo: a produção cerâmica de Cachoeira do Arari (Ilha do Marajó, PA). Dissertação de mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UFPA, 2007.
MARTINS, Maria Helena Pires. “Ecomuseu” IN COELHO, Teixeira (org.) Dicionário Crítico de Política Cultural: cultura e imaginário. São Paulo, Iluminarus, 1999.
GALLO, Giovanni. Motivos ornamentais da cerâmica marajoara: modelos para o artesanato de hoje. Cachoeira do Arari, PA, Museu do Marajó, 2005.
VAN VELTHEM, Lúcia Hussak. O Museu do Marajó. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi. 2005. (mimeo).
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(*) - Anna Maria Alves Linhares é cientista social e mestre em antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

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