terça-feira, 10 de novembro de 2009

De caco a espetáculo. Tudo começou assim...



“Um dia, seu Vadico, grande amigo e colaborador, chegou em casa com um embrulho. Sem
falar, depositou-o em cima da mesa. - O que é? – Aqui estão uns negócios que não prestam, como o senhor gosta. Gostei do cumprimento, porque era o reconhecimento do meu interesse para tudo o que é Marajó. Intrigado, apalpei com uma certa cautela aquele conjunto de negócios, desenrolei o papelão e descobri uma série de cacos de cerâmica. “Caco”, na linguagem marajoara, é exatamente o termo científico das peças arqueológicas. Naquele momento, vassoura na mão, apareceu a senhora da limpeza, espiando curiosa. – Será que prestam? Ela já tinha reparado o meu interesse, por isso só podia dar a única resposta possível, segundo a lógica marajoara. – Prestam, sim senhor. – Para quê? A mulher quase entrou em sinuca, no desespero de inventar uma justificativa decente. Foi só um instante. Feliz da vida explicou: - Para entulhar o quintal. Esqueci logo o quintal e fiquei contemplando, extasiado, aquelas amostras que pareciam fruto da coleta de um abençoado arqueólogo. Uma careta caprichada, uma série de risquinhos ingênuos como de criança que brinca com um espinho, uns fragmentos de decoração incisa e excisa, um jogo simétrico, a tentativa duma figura estilizada, um peixinho, um jaburu em vôo. De tudo um pouco, só coisa
fina”.


O homem que implodiu. Giovanni Gallo.

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