domingo, 24 de julho de 2011

De caco a espetáculo

Na maior ilha flúvio-marítima do mundo, a ilha do Marajó, situada no Pará, cerca de 400 a 1300 A.D, viveram índios conhecidos pela sua maestria no que diz respeito à confecção de objetos de cerâmica, os índios Marajoara. Eles confeccionavam belos pratos, tangas, tigelas, urnas funerárias, dentre outros objetos. Desde os séculos XIX e XX, viajantes e arqueólogos amadores passaram a coletar objetos confeccionados por esses povos que não mais existem. Na contemporaneidade, eles foram e continuam sendo estudados por arqueólogos, historiadores, antropólogos e diversos outros pesquisadores. Além de serem pesquisados, esses objetos são admirados por artistas, colecionadores de arte, marchands e pelo público em geral.


Urna fase Marajoara (Berta, 1990)

















Tangas de cerâmica marajoara (Berta, 1990)


















Esses objetos também me encantaram. Não é à toa que desenvolvo desde meu mestrado em Antropologia, pesquisas sobre a cerâmica marajoara. Mas as pesquisas que desenvolvo dizem respeito à cerâmica fabricada na contemporaneidade, a tão conhecida réplica marajoara. Em Belém, mais precisamente no distrito de Icoaraci, encontra-se o maior pólo de produção dessa cerâmica. Vale a pena conferir.
Os objetos arqueológicos eram e ainda hoje são encontrados nos quintais e terrenos de muitas casas e fazendas na ilha do Marajó.














Por muito tempo os moradores pouco sabiam da importância desse patrimônio. Hoje em dia, muitos já reconhecem seu valor. Antes, muitos desses objetos eram perdidos e hoje, por conhecerem a importância desse patrimônio, muitas pessoas que encontram essas peças avisam aos órgãos competentes pela preservação desses objetos, como o IPHAN, guardam ou os utilizam como utensílios de armazenamento ou até mesmo os comercializam. Mas é importante lembrar que a comercialização desses objetos é considerada crime.
Essas peças, por seu valor histórico, complexidade e beleza plástica, têm muito valor no mercado chamado "negro". Um peça marajoara pode custar até 12 mil reais em comércio ilegal.


Anna Linhares, 2006

Márcio Couto, 2006

































Consome-se a cerâmica marajoara, seja a arqueológica, mesmo sendo considerado crime, ou sua cópia, como as peças que são comercializadas em feiras e que são chamadas genericamente de "Marajoara". Ter um objeto antigo em sua sala de estar em uma sociedade considerada pós moderna é "chique" em contraposição aos objetos modernos que são feitos para não durar.


Anna Linhares, 2007


Anna Linhares, 2007


Isso tudo merece reflexão apurada. Por que existem tantos leilões de objetos antigos? Por que peças de outros séculos ou épocas são tão valiosas em termos econômicos? Por que colocamos uma cesta indígena ou um relógio antigo em nossas casas? O que queremos mostrar ao colocarmos em nossa decoração peças de outros tempos? Está na moda, não?
Essas questões serão contempladas em minhas recentes pesquisas, visto que acabo de ser aprovada no doutorado em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará que me oportunizará refletir sobres todas essas problemáticas.
Por que de "cacos" esses objetos tornaram-se "espetáculos", como já diria o excelente pesquisador Garcia Canclini?
O que você acha, leitor? Você tem alguma peça considerada "antiga" em sua casa? Você possui alguma cópia de cerâmica marajoara entre seus livros ou ao lado de sua moderníssima "LCD" e de seu Dvd altamente tecnológico? Se tem, o que te fez colocar esses objetos em diálogo com outros objetos tão modernos?
Caso o leitor se identifique com algumas dessas questões e prefira entrar em contato individualmente, basta enviar e-mail para: annlinhares@yahoo.com.br.
Conte um pouco de sua história a fim de juntos ficarmos de "Olho na cultura".

domingo, 17 de abril de 2011

Gracias a la vida

Nada como desfrutar das coisas simples da vida. Mercedes Sosa recita ao final de sua interpretação, "Gracias a la vida", uma bela frase que fala da importância de vivermos e darmos importância à simplicidade. Por isso, não custa nada agradecer a vida, mesmo que por vezes seja um tanto amarga diante de tantas misérias e desigualdades sociais, amargura essa que impulsa a lutarmos por um mundo melhor.
Vamos ficar de "Ouvidos na Cultura". Curtam Mercedes. Ela é sensacional!

Encontro entre culturas

Como diria Dulce Quental : “quando eu te vi entrar na livraria, meu coração saltou pela boca, até a porta então eu corri, sorrindo de alegria por te ver...”.
Não foi bem uma livraria, mas foi um lugarzinho acadêmico, entre discussões sobre cultura e história. Mas como era sapeca! Tirando a danação, a inteligência e toda a intelectualidade superaram tudo. Já disse por aí que as palavras me encantam. Silvia Duboc diz que “as palavras sempre ficam. Se me disseres que me amas, acreditarei. Mas se me escreveres que me amas, acreditarei ainda mais. Se me falares da tua saudade, entenderei. Mas se escreveres sobre ela, eu a sentirei junto contigo. Se a tristeza vier a te consumir e me contares, eu saberei. Mas se a descreveres no papel, o seu peso será menor. Lembre-se sempre do poder das palavras. Quem escreve constrói um castelo, e quem lê passa a habitá-lo."
Ah! Mas se fossem apenas as palavras...
As atitudes também me deixaram fascinada. Uma miscigenação de comportamento e ideias proporcionou uma deliciosa mistura do negro, índio e branco. Dizem até que é um branco vindo de bem longe, da terra dos que achavam que por aqui não havia dono. Quem sabe Orleans e Bragança?
Desse encontro cultural, nasceu uma paixão que parecia até de novela de época. Do “Viva”, quem sabe, pois passa a época e torna-se bem mais importante. Esse encontro fez com que eu passasse a gostar muito mais da História do Brasil e do Pará, e pude ver o quanto a Antropologia e mais especificamente a Academia pode ser tão fascinante, mesmo impregnada de “semideuses”. Passei a acreditar que dentro daqueles muros, também pulsa um coração com vontade de disseminar o saber. Simplesmente. Além disso, pude perceber o quanto a educação é importante e como eu posso construir um mundo melhor através de minhas aulas de Sociologia. E se ficasse por aí, acho até que bastava. Além de ser um ser humano que acredita no conhecimento, no saber e que leva a sério a disseminação do conhecimento com o objetivo de um mundo melhor, me fez acreditar novamente numa boa companhia e que elas existem de fato e de direito. “Quando dei por mim, os nossos trapos já estavam juntinhos. Nossas gavetas reviradas confundiam nossos destinos.
Que encontro entre culturas sensacional. E nem imagina o quanto o amo e o quanto é importante na minha vida. Não. Imagina sim. Homem fascinado pelas letras, eu te amo.




sábado, 26 de fevereiro de 2011

Yulunga - Dead can dance

Yulunga de Dead can dance muito me encanta. Na realidade, tudo nele me encanta: seu ritmo, seu som, suas cores, sua fotografia, sua ideia. Sinto uma sincronia, sincronia entre homens, mulheres, cultura e natureza, que tantas vezes não temos ou não enxergamos cotidianamente. São passos perfeitos. É antropológico. Isso faz com que me encante ainda mais pela ideia e pelo som. Um presentaço para meus leitores e seguidores. Deve ser sentido, pensado, não apenas escutado. Delícia de som. Também  estamos "De ouvidos na cultura".

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sábado, 22 de janeiro de 2011

Encontros antropológicos promovem "grandes encontros antropológicos".

Para um amigo. Para um irmão.
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Era julho de 2003.

Sou cientista social, antropóloga, estudiosa da cultura e do comportamento humano. Observo-o academicamente e não academicamente. Sempre gostei de participar de encontros, seminários, eventos e palestras da minha área. Quase toda vez que tem algum encontro em Antropologia eu estou por lá. Na época de minha graduação fui bolsista de iniciação científica no Museu Paraense Emílio Goeldi na área da Antropologia e sempre apresentava o resultado de meus trabalhos em eventos. Na época tive conhecimento de um encontro em Recife (Pernambuco) da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Prontamente fiz minha inscrição em um Grupo de Trabalho intitulado "Antropologia da Arte", salvo engano. Fiz inscrição em outro grupo que não me recordo nesse momento. Meses depois recebi via e-mail o resultado: ambos aceitaram meu trabalho de pesquisa sobre a cultura material indígena Karajá, as bonecas Karajá. Um trabalho lindo, lindo já postado aqui nesse blog.
Como eu era uma mera estudante, tinha pouco dinheiro para viagens, mas sempre me unía ao CA (Centro Acadêmico) para buscar recursos que pudessem viabilizar minhas empreitadas antropológicas. Íamos para o sinal de trânsito pedir dinheiro, vendíamos caipirinhas em festinhas na universidade e etc, etc, etc. Assim eu consegui. Lá eu ia mais uma vez para outro grande encontro de Antropologia.
Na realidade eu sempre unia encontros e passeios, pois sempre gostei de viagens e de conhecer culturas diferentes da que vivo. Sempre "De olho na cultura"...
Fui em um ônibus lotado de estudantes de várias áreas das Ciências Humanas, mas na sua grande maioria eram alunos das Ciências Sociais. Minha companheira nessas viagens antropológicas na época era Tay Gama, que hoje mora em São Paulo e trabalha em uma empresa de arqueologia. Resolvemos procurar um hotel para nos hospedarmos em Recife. Procuramos o hotel via internet.
Encontramos.
Hotel de preço bom, bonito, confortável e super aconchegante. Fechamos o contrato.
Tay me disse que iríamos dividir apartamento com outras pessoas. No dia da viagem me apresentou uma dessas pessoas:

- Anna, deixa eu te apresentar. Esse é o Jô.
-Oi Jô, tudo bom?
-Tudo. Viajaremos juntos.
-Legal.

A viagem aconteceu. Super cansativa, visto que enfrentamos quase 3 dias de estrada. A grande vontade era da chegada no hotel super confortável. Chegamos no terminal rodoviário e pegamos um trem rumo ao hotel que ficava no bairro de "Peixinhos". Ao chegarmos no final da estação, pegamos um táxi. Quando chegamos no hotel, o susto: o hotel ficava ao lado de um terreno abandonado, quartos pequenos e escuros, sem aquela linda piscina que vimos nas fotos, soturno e excêntrico demais para meu gosto, ou seja, fomos enganados. Um misto de raiva e indignação percorreu nossas veias. O que fizemos? Fomos conhecer a cidade e procuramos outro hotel no dia posterior.
Eram 23h e saimos. Nessa noite fomos a uma boate de hip hop, conhecemos o Centro Antigo da cidade e amanhecemos dançando Bob Marley na orla do Centro Antigo de Recife. Precisávamos né?
Passei a olhá-lo de modo diferente. De apenas um nome, passou a ser moreno, baixinho, extrovertido, extremamente irônico, simpático e muito, mas muito sarcástico. Todos esse atributos chamaram minha atenção.
Tínhamos um quê de independência e isso nos ligava ainda mais.
Na época havia um grupinho muito apaixonado por uma tal de "Antropologia visual". Aquilo me assustava um pouco, pois tudo, absolutamente tudo era fotografado por esse grupinho, que eu não fazia parte. Meu lance sempre foi cultura material e "Antropologia da Arte".

- Olha, não quero minha imagem vinculada em lugar nenhum. Eu processo se souber de minha imagem em algum lugar ou com alguma vinculação pública.

As risadas, os porres, o jeito sarcástico, as conversas sérias e tolas (na sua grande maioria, mas sempre com altas pitadas de humor inteligente), os estresses entre os colegas no quarto do hotel (que já era em Olinda a beira-mar depois da decepção via internet), as fugidas dos pivetes nas ruas de Olinda, os dias amanhecidos naquela cidade maravilhosa, as fofocas sobre os palestrantes e coordenadores das mesas, os flertes e paqueras, as danças, a companhia. Isso bastou.
Parece que o cupido chegou. Mas daqueles cupidos que chegam para aqueles amores para sempre, não amores de verão.
O encontro acaba. Finalizamos com chave de prata (minha preferência), numa festa linda, onde dançamos até o amanhecer danças de roda, danças negras, afoxé. Foi tudo mágico e antropológico.
De volta à realidade. Nos afastamos. Ele era de História e eu era das Ciências Sociais, ele era de um mundo e eu era de outro. Mundos que nos unem apenas em encontros, festinhas e tal. Mas, eu não disse que o cupido chegou para aqueles amores que parecem que durarão para sempre?
Nos afastamos, mas foi inevitável. Algo nos uniu de novo que não lembramos de jeito nenhum o que foi realmente. Mas nem precisa ser lembrado.
Em um desses reencontros:
- Anna, sabe lá no hotel em Olinda?
- Sei.
- Pois é, tirei foto de tuas calcinhas penduradas enquanto secavam. A fotografia ficou muito boa, cara...
- Hã??
- Sim.

Pensei: cara, que abuso. Pensei de novo: esse povo que é metido a "mexer" em "Antropologia visual" é foda...
Depois desse diálogo, muitas coisas mudaram. Senti que minha vida estava toda com esse criatura. Imagina alguém com fotos de tuas calcinhas?? O que mais essa pessoa poderia querer de mim? Já estava com toda minha vida...
A partir desse diálogo, todos os nossos encontros iniciavam assim:

- Eu quero a foto de minhas calcinhas. Pode ser?
- Hahahaha! Eu vou te dar. Calma.
- Calma?? São minhas calcinhas, cara...
- Hahaha! Tenho que revelar as fotos.

Por que eu não processei essa criatura??? Pensei.
Passamos a nos encontrar mais, a nos ver mais, a nos falar mais e a nos sentir mais.
Ano passado estive na sua casa e relembrei:

- Cadê a fotografia?
- Está aqui.

Não era a fotografia, mas o negativo da imagem. No fundo eu as via. Mas não foram reveladas. Bem ao estilo dele. Sempre com atrasos de 40 minutos... Acho que até hoje não foi revelada, mas ela pôde revelar, dentre outras coisas, a promoção de um encontro que não se esquecerá nunca mais. Grata surpresa me proporcionou Recife.
Descobri também que ele é apaixonado por uma das maiores intérpretes desse país (que também eu sou apaixonada) e que uma música interpretada por essa cantora nos unia ainda mais:

"Pois se é noite de completa escuridão
Provo do favo de teu mel
Cavo a direta claridade do céu
E agarro o sol com a mão..."

Já se foram 8 anos. Mas parece amor de mil vidas, como diria Dulce Quental.
Quando me sinto em completa escuridão, provo do favo de teu mel e prontamente cavo a direta claridade do céu.
Nem lembro o que líamos, mas é o que menos importa.

Por isso que é sempre bom ficarmos "De olho na cultura", pois encontros antropológicos promovem "grandes encontros antropológicos".
Continuem "De olho na cultura".




sábado, 8 de janeiro de 2011

Da dádiva e, em particular, da obrigação de retribuir.

Estou a ler o livro Sociologia e Antropologia, mais especificamente o artigo "Da dádiva e, em particular, da obrigação de retribuir" escrito por Marcel Mauss. Acredito ter lido o artigo mais de 5 vezes, todas as vezes por motivos acadêmicos. Leio mais uma vez pelo mesmo motivo, mas nunca deixo de surpreender-me com o texto, pois o sistema de prestações e contraprestações é algo muito recorrente em nosso cotidiano.
Gosto muito do poema do Eda escandinavo (estrofes de Havamál) que inicia o referido artigo:

"Nunca encontrei homem tão generoso
e tão liberal para alimentar seus hóspedes
que receber não fosse recebido, nem homem tão (falta o adjetivo) de seus bens
que receber de volta lhe fosse desagradável,

Com armas e vestes
devem os amigos agradar-se;
cada um o sabe por si mesmo (por sua própria experiência). Aqueles que retribuem mutuamente os presentes são amigos por mais tempo
se as coisas conseguem tomar bom aspecto.

Deve-se ser amigo
para com o amigo
e retribuir presente com presente;
deve-se ter
riso por riso
e logro por mentira.

Tu o sabes: se tens um amigo
no qual tens confiança
e queres obter bom resultado,
é preciso misturar tua alma à dele
e trocar presentes
e visitá-lo amiúde.

Mas se tens um outro
de quem desconfias
se queres chegar a bom termo,
e preciso dizer-lhe belas palavras,
mas ter pensamentos falsos
e retribuir logro com mentira.

É assim com aquele
em quem não tens confiança
e de cujos sentimentos suspeitas,
é preciso sorrir-lhe,
mas falar sem coração:
os presentes retribuídos devem ser semelhantes aos presentes recebidos.

Os homens generosos e valorosos têm a melhor vida;
não têm medo algum.
Mas um poltrão tem medo de tudo;

O avaro tem sempre medo dos presentes."
-
Em vários momentos do texto, Marcel Mauss enumera exemplos de sociedades que trocam bens, presentes e dádivas entre si. O autor trata principalmente dos Polinésios e Melanésios. Segundo Mauss, tais dádivas são sistemas de prestações totais. Aquele grupo que recebe determinado bem tem sempre a obrigação de retribuí-lo sob pena de sofrer alguma sanção. Ele trata do potlatch e do Kula, principalmente.
Tanto em uma sociedade como na outra, destroem-se objetos para o outro grupo com o objetivo de mostrar poder e valor. Se oferece presentes, pulseiras, braceletes e outras riquezas. Geralmente se oferece bens "gratuitamente", ou seja, sem a intenção de receber de volta. Mas na realidade, os grupos que recebem os presentes, precisam retribuí-los, e aqueles que dão, sempre esperam o retorno. Se não os fizer, se desfaz os laços entre os grupos e demonstra-se avareza e não poderio perante o outro. Outra coisa importante entre os diversos exemplos mostrados por Mauss é a "obrigação" de receber o presente. Se algum grupo não receber determinado presente que for oferecido por outro grupo, demonstra término de aliança ou quebra de contrato.

Malinowski em um dos rituais do "Kula" nas Ilhas Trobriandesas, onde troca-se valiosas pulseiras e braceletes, principalmente.

É interessantíssimo ler as etnografias e ver a infinidade de exemplos desses sistemas de prestações e contraprestações.
Não é à toa que logo no início do artigo, Mauss fez questão de colocar o referido poema escandinavo. Algumas de suas estrofes demonstram bem o que está por detrás desses rituais e trocas intertribais. O verso "os presentes retribuídos devem ser semelhantes aos presentes recebidos" mostra o quanto todos os bens que determinada sociedade recebe deve ser retribuido a altura ou ainda melhor.
Será que não é assim também em nossa sociedade? Quando recebemos um presente de um amigo ou parente não sentimos necessidade de retribuí-lo? Obviamente que sentimos essa necessidade se temos afinidades com aquele sujeito, pois se não temos, provavelmente não retribuiremos e o sujeito que deu o presente sente que a aliança foi desfeita ou não terá continuidade. Marcel Mauss tratou disso.
"O avaro tem sempre medo dos presentes". Aquela pessoa que tem dificuldade de retribuir um presente, um afeto, um amor, um sorriso ou um abraço é alguém avarento. Por que então querer um presente já que terei de retribuí-lo? Prefere não receber algo para não ter que prestar contas daquilo.
É bacana ler esse artigo e ver como muitas questões que envolvem esse sistemas analisados por Mauss podem ser vistos na nossa sociedade.
Toda "coisa" recebida tem um hau, uma essência, ou seja, um valor espiritual que nos ligam uns aos outros. Marcel Mauss vai chamar de vínculo espiritual que travamos com aqueles que nos dão um presente e que retribuimos depois de um tempo. Recusar dar, negligenciar convidar, assim como recusar receber, equivale a declarar guerra, é recusar aliança e comunhão.
Então muito cuidado com os vínculos que vocês estabelecem, meus leitores. Se não quer ter um vínculo espiritual com alguém, evite presentear. Ou se você quer fortalecer a comunhão com um grupo ou alguém, retribua aquele afeto, aquele carinho ou aquele presente. Mas não esqueça: precisa ser uma retribuição equivalente ou maior do que aquilo recebido.
Fiquem de "Olho na cultura" e nos contratos que vocês estabelecem entre si, hein?


















terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Balanço de 2010.

Faz tempo que meu blog não é destinado à postagens de cunho pessoal. Geralmente faço postagens acadêmicas, de artigos, teses e etc. Fico literalmente de "Olho na cultura".  Mas lembro que uma das últimas postagens que fiz desse teor nesse espaço foi exatamente na virada do ano de 2009 para 2010. Fiz um breve balanço do que havia feito no ano que estava terminando. Agora pretendo fazer o mesmo, afinal de contas é um rito de passagem importante em nossas vidas. Aliás, todos os rituais de passagem são importantes para a vida em sociedade.
Ratifico algumas coisas e modifico outras com relação a última postagem que fiz. Continuo considerando esses rituais (Natal e "Virada de ano") como banais, por mais que sejam importantes para a perpetuação social. Mas eu os acho banais por questões psicológicas. As lembranças que tenho desses rituais da época de minha infância não são das melhores. Por isso não os faço como algo tão cristão ou cheio de emoção como a maioria das pessoas fazem. Quando cheguei na adolescência, passei a fazer dos dois rituais de passagem verdadeiras esbórnias. Acredito que era para esquecer o que havia passado ou tentar fazê-los diferente. Hoje já sou mais madura e os encaro de maneira bem diferente, também. Esse ano já farei "festinha" de Natal em homenagem a minha mãe, que se sente só por conta do falecimento de meu pai e por conta da vinda de dois irmãos meus, dos três que tenho, aqui para Belém. Já sei lidar melhor com traumas do passado. Participarei dos rituais lembrando que em minha vida pessoal muitas coisas aconteceram.
Eu e meu companheiro adquirimos nossa independência doméstica e continuamos crescendo enquanto casal. A rotina pesa em qualquer situação, mas parece que sabemos lidar com ela, a priori. Independentemente da forma. Ele é uma pessoa importante na minha vida: é meu cia, que está do meu lado, que não joga comigo, que me escuta, que me compreende, que enxuga minhas lágrimas, que as estimula... é meu cia em sentido pleno. Márcio, eu te amo.
Na vida profissional e acadêmica, dei passinhos curtos, mas que foram e serão significativos.
Não é fácil ser professor em um país que pouco valoriza ou se importa com a educação. Não é e nem sei se será tão cedo prioridade do Estado investir nela. Por conta disso, eu sempre digo que ser professor nesse país é ser herói. Eu sou extremamente utópica e continuo achando que as poucas palavras que dou aos meus alunos (sou professora de Sociologia), podem criar sementes que germinarão no futuro. Por isso, faço questão de continuar trabalhando com adolescentes, que de uma forma ou de outra, são o futuro desse país. A única coisa que gostaria é de ter um sobre peso menor de trabalho e mais dignidade enquanto profissional. Por conta disso, prestei concursos para outras instituições e devido aos estudos e esforços, fui super bem classificada em uma instituição pública de ensino Federal. Espero se convocada.
Infelizmente não farei meu doutorado esse ano, e provavelmente não será onde moro. Pena que nas universidades públicas, assim como em outros setores, o velho e conhecido "QI" ou disputas ideológicas e políticas façam com que bons alunos e/ou profissionais não estejam ali dentro dos muros dos "semi-deuses". Não aprofundarei a questão, afinal de contas essa minha postagem está sendo muito mais um desabafo e um balanço do que qualquer outra coisa. Meia palavra basta. Acho.
Espero que em 2011 eu seja melhor profissional, cia, amiga, filha e irmã do que fui em 2010. Conheci novas pessoas, me afastei de algumas e continuarei na eterna busca pelo "belo". Vou procurar aquilo que me faz bem, que me traz coisas boas e que me sustenta enquanto Ser Humano. Como é difícil viver nesse mundo cruel. Mundo de jogos, vaidades, intrigas. Infelizmente as pessoas ainda usam o próximo, seja por carência, por vaidade ou sei lá o quê, mas eu não perderei a ternura, jamais.
Finalizo o desabafo/balanço mandando todas as vibrações para meu pai, onde quer que ele esteja, o homem que me fez. Eu sou a mulher do jeitinho que sou a partir da imagem dele. Às vezes até me acho meio homem por conta disso, mas o vigor, a força, a mulher batalhadora e forte é super bem casada com a vaidade, a ternura, a sensibilidade e o carinho, atributos culturalmente atribuídos às mulheres. Acho que é por aí.


Depois eu volto "De olho na cultura".