quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Calem a boca nordestinos!

Fui duramente criticada por pessoas da região sudeste quando postei o texto abaixo em fóruns de discussão. Traduzindo as críticas: disseram que eu estava sendo tão preconceituosa quanto as pessoas da região sul e sudeste. Não acredito que eu tenha sido preconceituosa, apenas senti o texto emotivamente. Lembrei de quando Clifford Geertz, antropólogo norte amerciano, diz que nós, seres humanos, somos "essencialmente" (culturalmente) etnocêntricos e como temos dificuldade de nos desprendermos de nossas pré-noções, assim como temos dificuldade de termos alteridade. Sou filha de índia piauiense e preto maranhanense. De quebra, nasci na Amazônia, onde vivo até hoje. Sempre senti na "pele" o preconceito vinculado à ambas regiões que eu tenho ligações genéticas e afetivas e provavelmente esse seja o motivo de ter me identificado, em partes, com o texto abaixo. Infelizmente fui interpretada erroneamente. Não tive a intenção de ser grosseira com as pessoas, até porque adoro esses lugares também, mas não aguento mais ver pretos e índios seram chamados de vagabundos até mesmo por intelectuais. Fazer o quê? Além disso, é triste ver tanta miséria nas duas regiões por conta de questões históricas criadas a partir de um colonialismo imposto dentro do nosso próprio país, o país do "mito da democracia racial". O autor do texto deve ter escrito em um momento de catarse? Pode. Só acho exagero dizerem que o texto é xenófobo e preconceituoso. Pimenta no olho alheio é refresco. Acho que é por aí.
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Calem a boca, nordestinos!!


A eleição de Dilma Rousseff trouxe à tona, entre muitas outras coisas, o que há de pior no Brasil em relação aos preconceitos. Sejam eles religiosos, partidários, regionais, foram lançados à luz de maneira violenta, sádica e contraditória. Já escrevi sobre os preconceitos religiosos em outros textos e a cada dia me envergonho mais do povo que se diz evangélico (do qual faço parte) e dos pilantras profissionais de púlpito, como Silas Malafaia, Renê Terra Nova e outros, que se venderam de forma absurda aos seus candidatos. E que fique bem claro: não os cito por terem apoiado o Serra, outros pastores se venderam vergonhosamente para apoiarem a candidata petista. A luta pelo poder ainda é a maior no meio do baixo-evangelicismo brasileiro. Mas o que me motivou a escrever este texto foi a celeuma causada na internet, que extrapolou a rede mundial de computadores, pelas declarações da paulista, estudante de Direito, Mayara Petruso, alavancada por uma declaração no twitter: Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!?. Infelizmente, Mayara não foi a única. Vários outros brasileiros também passaram a agredir os nordestinos, revoltados com o resultado final das eleições, que elegeu a primeira mulher presidentE ou presidentA (sim, fui corrigido por muitos e convencido pelos amigos Houaiss e Aurélio) do nosso país. E fiquei a pensar nas verdades ditas por estes jovens, tão emocionados em suas declarações contra os nordestinos. Eles têm razão! Os nordestinos devem ficar quietos! Cale a boca, povo do Nordeste! Que coisas boas vocês têm pra oferecer ao resto do país? Ou vocês pensam que são os bons só porque deram à literatura brasileira nomes como o do alagoano Graciliano Ramos, dos paraibanos José Lins do Rego e Ariano Suassuna, dos pernambucanos João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, ou então dos cearenses José de Alencar e a maravilhosa Rachel de Queiroz Só porque o Maranhão nos deu Gonçalves Dias, Aluisio Azevedo, Arthur Azevedo, Ferreira Gullar, José Louzeiro e Josué Montello, e o Ceará nos presenteou com José de Alencar e Patativa do Assaré e a Bahia em seus encantos nos deu como herança Jorge Amado, vocês pensam que podem tudo? Isso sem falar no humor brasileiro, de quem sugamos de vocês os talentos do genial Chico Anysio, do eterno trapalhão Renato Aragão, de Tom Cavalcante e até mesmo do palhaço Tiririca, que foi eleito o deputado federal mais votado pelos, pasmem, PAULISTAS!!! E já que está na moda o cinema brasileiro, ainda poderia falar de atores como os cearenses José Wilker, Luiza Tomé, Milton Moraes e Emiliano Queiróz, o inesquecível Dirceu Borboleta, ou ainda do paraibano José Dumont ou de Marco Nanini, pernambucano. Ah! E ainda os baianos Lázaro Ramos e Wagner Moura, que será eternizado pelo carioca (?) Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, 1 e 2. Música? Não, vocês nordestinos não poderiam ter coisa boa a nos oferecer, povo analfabeto e sem cultura?Ou pensam que teremos que aceitar vocês por causa da aterradora simplicidade e majestade de Luiz Gonzaga, o rei do baião? Ou das lindas canções de Nando Cordel e dos seus conterrâneos pernambucanos Alceu Valença, Dominguinhos, Geraldo Azevedo e Lenine? Isso sem falar nos paraibanos Zé e Elba Ramalho e do cearense Fagner? E Não poderia deixar de lembrar também da genial família Caymmi e suas melofias doces e baianas a embalar dias e noites repletas de poesia?Ah! Nordestinos? Além de tudo isso, vocês ainda resistiram à escravatura? E foi daí que nasceu o mais famoso quilombo, símbolo da resistência dos negros à força opressora do branco que sabe o que é melhor para o nosso país. Por que vocês foram nos dar Zumbi dos Palmares? Só para marcar mais um ponto na sofrida e linda história do seu povo? Um conselho, pobres nordestinos. Vocês deveriam aprender conosco, povo civilizado do sul e sudeste do Brasil. Nós, sim, temos coisas boas a lhes ensinar. Por que não aprendem conosco os batidões do funk carioca? Deveriam aprender e ver as suas meninas dançarem até o chão, sendo carinhosamente chamadas de cachorras. Além disso, deveriam aprender também muito da poesia estética e musical de Tati Quebra-Barraco, Latino e Kelly Key. Sim, porque melhor que a asa branca bater asas e voar, é ter festa no apê e rolar bundalelê! Por que não aprendem do pagode gostoso de Netinho de Paula? E ainda poderiam levar suas meninas para um dia de princesa (se não apanharem no caminho)! Ou então o rock melódico e poético de Supla! Vocês adorariam!!! Mas se não quiserem, podemos pedir ao pessoal aqui do lado, do Mato Grosso do Sul, que lhes exporte o sertanejo universitário, coisa da melhor qualidade! Ah! E sem falar numa coisa que vocês tem que aprender conosco, povo civilizado, branco e intelectualizado: explorar bem o trabalho infantil! Vocês não sabem, mas na verdade não está em jogo se é ou não trabalho infantil (isso pouco vale pra justiça), o que importa mesmo é o QUANTO esse trabalho infantil vai render. Ou vocês não perceberam ainda que suas crianças não podem trabalhar nas plantações, nas roças, etc. porque isso as afasta da escola e é um trabalho horroroso e sujo, mas na verdade, é porque ganha pouco. Bom mesmo é a menina deixar de estudar pra ser modelo e sustentar os pais, ou ser atriz mirim ou cantora e ter a sua vida totalmente modificada, mesmo que não tenha estrutura psicológica pra isso, mas o que importa mesmo é que vão encher o bolso e nunca precisarão de Bolsa-família, daí, é fácil criticar quem precisa! Minha mensagem então é essa: Calem a boca, nordestinos! Calem a boca, porque vocês não precisam se rebaixar e tentar responder a tantos absurdos de gente que não entende o que é, mesmo sendo abandonado por tantos anos pelo próprio país, vocês tirarem tanta beleza e poesia das mãos calejadas e das peles ressecadas de sol a sol. Calem a boca, e deixem quem não tem nada pra dizer jogar suas palavras ao vento. Não deixem que isso os tire de sua posição majestosa na construção desse povo maravilhoso, de tantas cores, sotaques, religiões e gentes. Calem a boca, porque a história desse país responderá por si mesma a importância e a contribuição que vocês nos legaram, seja na literatura, na música, nas artes cênicas ou em quaisquer situações em que a força do seu povo falou mais alto e fez valer a máxima do escritor: O sertanejo é, antes de tudo, um forte!? Respeitemos todos os povos, raças, tribos e nações! (fiz alteração na última frase.)
Fonte: http://www.crerepensar.com.br/index.phpoption=com_content&task=view&id=204&Itemid=26





4 comentários:

  1. A crítica que recebeste foi, nada mais nada menos, fruto de um baita equívoco na interpretação.
    Também sou descendente de nordestinos, adoooro aquela terra, seu calor, seu sotaque, sua culinária... e não me senti nem um pouco ofendida. Pelo contrário, achei uma chamada muito interessante, um texto recheado de bom humor e ironia.
    Povo lento esse do sudeste, hein?

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  2. Ju, não digo que são lentos, pois a cultura do lugar é bela, também. Conheço pessoas maravilhosas das regiões e eles produzem muita coisa boa, mas parece que eles têm certa dificuldade de lidar com duras críticas ou sarcasmos, algo que é feito por séculos por eles mesmos ao povo nortista e nordestino. E pensar que já tivemos uma teoria científica denominada evolucionismo...
    Obrigada pela visita, Ju. Abraços.

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  3. Me identifiquei muito com o tom irônico deste post. Na verdade, sobre este tema, tenho uma postura muito parecida com a sua. PARABÉNS NÃO SÓ PELO POST COMO TAMBÉM PELO BLOG. QUANTO AOS NOSSOS IRMÃOS DO SUL E SUDESTE...A ELEIÇÃO DO "NOBRE" TIRIRICA JÁ É UMA RESPOSTA A ESTE PSEUDO-INTELECTUALISMO CARACTERÍSTICO DESTAS REGIÕES. UM GRANDE ABRAÇO E ESTOU SEGUINDO SEU BLOG!

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  4. ... mas eles juram que quem elegeu o Tiririca foram os nordestinos que moram lá!!! E não lembram que parte do que há de pior na direita política desse país está lá. Falta para muitos paulistanos compreenderem o que é alteridade. Das vezes que estive em "Sampa", sempre observei pessoas nortistas ou nordestinas tentando esconder sotaque ou qualquer outro indício "denunciador" de sua origem cultural. Sei que é por sobrevivencia, mas isso é triste. Creio que quem vê o mundo da periferia, muitas vezes vê mais e melhor. Mas não se trata aqui de reproduzir contra os paulistanos os preconceitos que eles têm contra nós, pois isso não resolve. Por outro lado, dizer "é nós" e pedir "dois suco e um pastéis" é sinal de que nem tudo está certo...

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