sábado, 24 de abril de 2010

Belo Monte não deve pacificar Altamira.

Belo Monte não deve pacificar Altamira - 19/04/2010
Local: São Paulo - SP
Fonte: Valor Econômico
Link: http://www.valoronline.com.br/

Daniela Chiaretti

Que Altamira precisa de um projeto de desenvolvimento, ninguém discorda. Mas o apelido do município de 100 mil habitantes, " Princesinha do Xingu " , soa sarcástico quando se dá uma olhadela na cidade de infraestrutura inexistente. O que Altamira tem de bonito é o rio, embora a disposição das mesas nos botecos da orla, curiosamente, dê as costas ao Xingu. A polêmica em torno a como melhorar a região acende se as fichas são colocadas na hidrelétrica de Belo Monte. Basta uma caminhada pela 7 de Setembro, a rua comercial da cidade, ou pelos armazéns do porto, para sentir que a simpatia à usina de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões não é unanimidade.
Nos vidros da ótica A Turmalina, um adesivo verde ( " Sou a favor de Belo Monte " ) escancara a predileção ao projeto. " Claro que sou a favor! Altamira precisa da usina " , entusiasma-se o cearense Genival Alves da Costa, morador na cidade há 30 anos. " E olha que tenho dois lotes na região que vai ser alagada e que estão produzindo, um tem cacau, o outro, pasto. " A mulher ao seu lado no balcão escuta o que ele diz, faz cara feia, dá de ombros e some pela porta dos fundos. " Lucineide é minha esposa. Ela é contra " , explica. " É muito religiosa. Tem as ideias de Dom Erwin na cabeça " , continua, citando o bispo da Prelazia do Xingu, uma das mais fortes vozes de oposição à hidrelétrica. Em Altamira, Belo Monte divide famílias.
Seus quase 100 mil habitantes se alinham em três frentes. Há o grupo do que são claramente a favor, o dos que estão radicalmente contra e a maioria da população que não faz ideia do que pensar. Nos dias que antecedem o leilão, contam-se histórias de um gaúcho que alugou um prédio para montar a segunda churrascaria da cidade, antecipando-se à concorrência, aos clientes que ainda não existem e à própria decisão de se fazer a usina. Um empresário já contraiu empréstimo de R$ 700 mil para construir um prédio apostando no boom econômico da hidrelétrica que ainda é de papel.
" Ao contrário do que as pessoas pensam, o leilão não irá celebrar o final do embate " , diz Ana Paula Souza, coordenadora da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), que existe há 20 anos e é a principal entidade dos movimentos sociais na Transamazônica. " Aqui há um movimento de resistência à usina há mais de 30 anos. Jamais será como Tucuruí. Esta luta contra Belo Monte está longe de acabar. "
Costa, o dono da ótica, diz que se a hidrelétrica não sair, está " programado para ir embora para Goiânia " , onde mora um filho. O comerciante parece ter todas as respostas. " A usina vai trazer asfalto e benefícios " , pontua, dizendo que Altamira " caiu depois da morte da irmã Dorothy " . Os acusados de serem os mandantes do assassinato da missionária Dorothy Stang viviam na cidade, lembra. O declínio de Altamira, acredita, aconteceu porque a região teria ficado na mira da fiscalização federal, como a operação que fechou madeireiras ilegais. " A represa está longe daqui, o efeito vai ser o de uma enchente forte do rio " , assegura. Mas o que vai acontecer aos araras, jurunas e caiapós que vivem nos 100 quilômetros de rio onde a água vai diminuir? " Não tem índio na Volta Grande " , irrita-se. Para ele, o único risco de Belo Monte é repetir Tucuruí e " não dar assistência ao pessoal alagado. "
Altamira é um lugar fora da lógica do Sul e Sudeste. Fica a 380 quilômetros de Tucuruí, mas só em 1998 começou a receber energia elétrica da usina inaugurada 14 anos antes. Depois das operações do Ibama e da Polícia Federal nas madeireiras, a elite local puxou uma grande passeata - contra a polícia. Enviar e-mail é teste de paciência, mas à noite é comum ver moradores com laptops nas cadeiras de plástico da orla, aproveitando a melhor conexão da cidade. Há tráfego constante de caminhonetes L-200 ao lado de carros velhos e carroças puxadas por jegues. A demanda por médicos é enorme: os que atendem em Altamira podem ganhar R$ 30 mil ao mês.
" Altamira é uma fronteira " , diz Ana Paula, da FVPP. " A trajetória desta região é marcada pelo saque das riquezas " , continua. Primeiro foi o ouro, depois a madeira, agora é a água, lista. " Gente que defende a obra às vezes tem este mesmo discurso predador. " Na opinião dela, para receber um empreendimento da magnitude de Belo Monte, que pode dobrar a população da cidade, a região teria que estar razoavelmente organizada. Ela teme o caos urbano que se anuncia. " O risco é de a obra trazer ainda mais problemas sociais para o próprio Estado. " A tentativa da fundação é descolar o debate de Belo Monte da necessidade de desenvolvimento da região. " A proposta da usina não tem nada a ver com a intenção de fazer algo para esta área. Se o rio não estivesse aqui, nem ligariam para a gente. "
É a posição contrária à de seu marido. Rainério Meireles da Silva, coordenador do campus da Universidade Federal do Pará em Altamira, é um entusiasta da hidrelétrica. " Belo Monte é um grande projeto se for estabelecido dentro de uma estratégia de desenvolvimento regional. E eu penso que isso é possível de ser feito " , argumenta. " Se pudermos aplicar R$ 50 milhões a R$ 100 milhões em educação, ganharemos muito " , diz, referindo-se aos recursos para fazer decolar o Plano de Desenvolvimento Regional que devem estar acoplados à obra. Ele chegou a Altamira em 2002 e vê mudanças positivas na cidade no período. No campus, à época, eram apenas 12 professores e 400 alunos; hoje são 100 docentes e 1.300 alunos.
Na cidade, os humores em relação a Belo Monte oscilam à medida em que se ande em direção aos lugares mais baixos. Nas palafitas que ficam às margens dos igarapés Altamira e Ambé, cerca de 16 mil pessoas, segundo o projeto, terão que se mudar porque as casas serão alagadas. Luis Xipaia, liderança de índios que vivem na cidade há muito tempo, mora às margens de um dos igarapés. " O PAC, para nós índios, é um programa de destruição " , diz. " Virão muitos aventureiros à nossa região, aumentará a criminalidade. Não é bom. " No porto, em uma das balsas que ficam ancoradas e funcionam como bares ou mercados, o funcionário Robson Alves da Silva diz que não é a favor da obra. " Vai afetar muito os ribeirinhos. E acabar com as praias, que é nosso lazer no verão. Aqui dá movimento direto, vem muita gente das cidades vizinhas. "Na rua de comércio, Pedro Soares, gerente de uma das lojas Armazém Paraíba, nota que as vendas de colchões, fogões e geladeiras aumentaram 20% a 25% em relação ao mesmo período de 2009. " São pessoas de Belém, de São Paulo, de Minas " , diz. A procura por móveis de escritório é tanta que ele sugeriu à direção da empresa que estude trabalhar com esta linha de produtos. " Sou a favor da usina, mas tenho medo. E quando acabar a construção, como vai ficar? "

Kaiapó





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