quarta-feira, 17 de março de 2010

O Museu do Marajó pede socorro!

Anna Maria Alves Linhares

Todos sabem que não é recente o descaso com o patrimônio histórico e artístico em nosso país, mas de qualquer forma, não consigo deixar de me indignar com o que vem acontecendo mais recentemente. O Museu do Marajó, localizado em Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, provavelmente será o próximo patrimônio da região Amazônica e do país a fechar as portas, fazendo com que o estado do Pará perca mais um pedaço de sua memória. Para quem ainda não o conhece, o Museu do Marajó contém extenso acervo de peças que retratam a cultura marajoara arqueológica de povos que habitaram a ilha por volta de 400 a 1300 AD (Schann, 1997), os marajoara, além de peças contemporâneas. Possui ainda peças que retratam a natureza amazônica, como plantas e animais empalhados.


Acervo de peças arqueológicas. Museu do Marajó.
Foto: Anna Linhares, 2005


Animais empalhados. Museu do Marajó
Foto: Anna Linhares, 2005


Fazenda do Marajó em miniatura. Museu do Marajó
Foto: Anna Linhares, 2005.

Infelizmente a situação do museu não é das melhores. Em noticiários vinculados à mídia local já se noticia a degradante situação que vem passando o museu. É falta de verba, falta de pessoal qualificado para atuar no local, falta de incentivos, ou seja, faltam coisas essenciais para o funcionamento da instituição. Em agosto de 2009, o diretor que atuava no museu no período, Nazareno Silva, denunciava a falta de apoio ao local, criticando repasse de apenas 3 mil reais para manter todo o museu. Segundo Nazareno, o museu possui 8 funcionários, entre diretores, assistentes e pessoais que trabalham nos serviços gerais. Denuncia também que as despesas mensais com a manutenção do prédio passam dos 2 mil reais. Por conta da falta de verbas, alguns projetos tiveram que ser paralisados, como o de cerâmica marajoara e as aulas de informática por falta de computadores novos e suficientes.


Na atual gestão, as reclamações continuam. O atual presidente, Antônio Smith, afirma que existem irregularidades nos repasses de verbas e além das irregularidades, os órgãos competentes não repassam o dinheiro necessário. Segundo Smith, em dez meses, a instituição deveria receber cerca de 30 mil reais para a manutenção do local, mas só lhes foi repassado 5 mil reais . Independentemente da orientação política do jornal citado, eu também tive a oportunidade de estar no local, entre 2005 e 2007, para realizar pesquisa de campo referente a meu mestrado e vi a triste situação da instituição. São poucas pessoas que trabalham em sua manutenção e mesmo assim, não possuem qualificação museológica, visto que, para atuar num museu, precisa-se de qualificações específicas, desde a limpeza do local e das peças até trabalhos mais complexos e técnicos como catalogação de objetos do acervo. Para a limpeza periódica da instituição, é preciso fazer os chamados mutirões com a comunidade, que trabalha voluntariamente.

Além da falta de pessoal especializado, é grande a disputa pelo poder. Tive a oportunidade de presenciar inúmeras intrigas pela gestão da instituição. Isso faz com que não se tenha gestão contínua e por vezes comprometida. Vale ressaltar que os problemas do local não são recentes. A própria formação do museu foi conturbada por conta de disputas políticas e de poder. Lendo documentos e livros que falam da formação da instituição, tive conhecimento que durante muito tempo ocorreram intrigas entre o fundador da instituição, Giovanni Gallo, que chegou à ilha como missionário jesuíta, e o padre da prelazia do Marajó na época, no final dos anos 70 e início dos 80, Dom Ângelo Rivatto, em conjunto com um político do MDB, Eurípedes Pamplona, Pidizinho. Segundo Gallo, depois de ter recusado filiar-se ao referido partido, ambos começaram a ameaçá-lo e embargar inúmeros projetos da instituição .

O museu passou e ainda passa por sérios problemas estruturais e administrativos. Infelizmente, os órgãos competentes não dão retorno a esse patrimônio. Verbas aparecem de forma escassa: partem de projetos desenvolvidos por pesquisadores , partem da prefeitura, partem do governo e assim, as administrações que por lá passam, vão fazendo grandes esforços para segurar o que ainda resta da instituição.

Segundo Antônio Smith, atual presidente, o museu é apenas visitado por candidatos em épocas de eleição , e todos sabemos que isso de fato acontece. Geralmente os candidatos fazem as visitas com o objetivo de obter votos das populações locais, seja em municípios, bairros ou comunidades.

Segundo Smith, a esperança da atual administração é uma visita que esperam agora em 2010 da comissão técnica do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), órgão ligado diretamente ao Ministério da Cultura, para saber o que o órgão federal pode fazer pela instituição.

É degradante ver como uma instituição com um valioso patrimônio histórico, cultural e arqueológico pode estar às escuras. Se as coisas continuarem como estão, poderá paralisar as atividades completamente. Patrimônio que fala da cultura do lugar e que é parte da memória de um povo. Não apenas eu como pesquisadora, mas todo o povo de Cachoeira do Arari e da ilha do Marajó espera que os órgãos competentes se sensibilizem e olhem de forma diferente para essa instituição que faz parte não apenas do Estado do Pará, mas do Brasil. Se a situação do museu continuar do jeito que está, provavelmente suas portas fecharão e a pergunta ficará no ar: para onde irá todo o patrimônio levantado durante anos que está contido no acervo do museu?

Teóricos que analisam a questão do patrimônio mostram o quanto a cultura material e imaterial de um lugar são importantes para a identidade de um povo. Por vezes, esses aspectos culturais são utilizados enquanto política governamental de promoção do turismo. O Marajó é bastante explorado na política do turismo no Pará. O referido museu também é usado enquanto emblema das campanhas turísticas. As peças arqueológicas são os principais focos das campanhas, principalmente por serem arqueológicas, visto que o antigo, o rústico ou o considerado “velho” são as principais atrações das referidos planos governamentais.

Para Gonçalves (2001) isso se dá em decorrência da elaboração e implementação de políticas culturais, entre as quais se situam as políticas de patrimônio que visam a construção e comunicação de uma identidade nacional ou étnica, em que o passado é simbolicamente usado com o objetivo de fortalecer a identidade pessoal e coletiva presente.

Segundo Garcia Canclini (1983), a fascinação nostálgica pelo rústico, pelo natural e pelo indígena é uma das motivações mais invocadas pelo turismo que, segundo o autor: “...requer é a sua mescla com o avanço tecnológico: as pirâmides ornadas com luz e som, a cultura popular transformada em espetáculo.” (Garcia Canclini: 1983, p. 67). A transformação em espetáculo se dá pela disposição das peças em vitrines nas lojas de artesanato, pela publicidade feita dos objetos através das propagandas e pela grandiosidade da disposição dos objetos em museus e lojas para que o visitante tenha a oportunidade de apreciar. A cerâmica marajoara é espetacularizada no Pará. No Museu do Marajó, a principal sala do acervo contém inúmeras cerâmicas arqueológicas expostas em vidros com molduras em madeira, dando um ar de requinte às peças. Mas, atualmente, provavelmente os cupins já estejam invadindo as molduras e infelizmente, se nada for feito, invadirá o acervo com um todo. Será que de espetáculos, virarão cacos novamente? O Museu do Marajó pede socorro!



Referências:
Documentos do acervo do Museu do Marajó (AMdM)

Fontes impressas citadas do acervo do Museu do Marajó (AMdM)

Acervo do Museu do Marajó (AMdM), Of/65/83, de Eurípedes Bentes Pamplona Filho, prefeito de Santa Cruz do Arari, para Giovanni Gallo. Santa Cruz do Arari, 11/05/1983

Acervo do Museu do Marajó (AMdM), Edital de embargo nº 01/83. Santa Cruz do Arari, 14/06/1983.
Bibliografia referida:

GARCIA CANCLINI, Néstor. As culturas populares no capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1983.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. “Autenticidade, memória e ideologias nacionais: o problema dos patrimônios culturais” IN ESTERCI, Neide, FRY, Peter, GOLDENBERG, Mirian (orgs.). Fazendo Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

LINHARES, Anna Maria Alves. De caco a espetáculo: a produção cerâmica de Cachoeira do Arari (ilha do Marajó, PA). Dissertação de mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UFPA, 2007.

SCHANN, Denise Paul. A linguagem iconográfica da cerâmica marajoara: um estudo da préhistória na ilha do Marajó (400-1300 AD). Porto Alegre, EDIPUCRS, 1997.

Fontes eletrônicas:

Museu do Marajó precisa de incentivos. http://www.diariodopara.com.br/noticiafullv2.php?idnot=54664. 03/08/2009. Capturado em 17/02/2010.

Museu do Marajó: patrimônio do Pará às escuras. 22/11/2009. http://www.diariodopara.com.br/imprimi_noticiav2.php?idnot=68959. Capturado em 17/02/2010.

5 comentários:

  1. Triste realidade! Juro que se fosse um político influente resgataria toda nossa cultura!

    Heloísa concordaria comigo, não achas?

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  2. Rarararararará.

    Mas eu não acreditaria em ti se fosses político.

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  3. Nem eu mesmo acreditaria. De fora é fa´cil, mas a corrupção iria fazer parte mim, com toda a certeza. Mas acredito que eu poderia ter olhos para a cultura, pelo menos.

    Rarará! Ao menos a Heloísa votaria em mim.

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  4. Olá. achei super interessante seu interesse por nossa cultura. Acho sim um descaso dos instrumentos governamentais.Mas pessoas como vc fazem o diferencial. Trazendo a tona não só lindas imagens de nossa terra mas a realidade de nosso Estado. Parabéns pela iniciativa. Trabalho com fotografia e design e achei o máximo.

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  5. Voce esta de parabéns em fazer este comentarios, que tal retorna ao Municipio e soma com a nova Diretoria os seus conhecimentos, estamos atraz de parceiros.

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